A Cabana Caiu
Recentemente as igrejas evangélicas foram
inundadas por exemplares do livro “A Cabana”, do canadense William Paul Young,
filho de missionários em Papua Nova Guiné e formado em religião em Portland, no
estado do Oregon, EUA.[1] Apesar de ser um livro que, segundo o autor, foi
escrito para seus filhos, ele tem assumido um lugar entre os livros didáticos
que tratam das Escrituras e de Deus. Além disso, não apenas o meio eclesiástico
tem sentido a influência da estória[2] de Young, mas também o meio secular.
Diários famosos e conceituados como o “New York Times”,[3] o “Washington
Post”[4] e o “USA Today”,[5] deram atenção à obra e publicaram matérias
reveladoras sobre seu impacto e alcance.
Sempre que uma obra toma esse vulto,
principalmente dentro da igreja, os pastores têm a responsabilidade de
analisá-la com cuidado e atenção. Dispus-me a fazer exatamente isso. Adquirir o
livro não foi nenhum problema, pois está sendo vendido até mesmo em lojas de
produtos eletrônicos. Depois de comprado, não foi nem difícil, nem demorado
encontrar algum irmão que, notando o livro em minhas mãos, demonstrasse sua
satisfação em me ver compartilhando com ele tal experiência. Depois de
concluída a leitura, busquei ainda conhecer a reação de algumas pessoas ao
livro. Dentre eles, um jovem disse ter notado algumas coisas estranhas que não
entendeu muito bem, mas que, apesar disso, achou a leitura fantástica e
empolgante. Um professor de Teologia de uma faculdade teológica de outro estado
relatou-me que a obra é positiva na quebra da visão machista sobre Deus e sobre
o relacionamento da Trindade, além de fazer eco às aspirações populares por
“formas religiosas mais palatáveis, diferentes da religiosidade oferecida pela
religião oficial, normalmente baseada em tradições, moralismos e proibições.”
O LIVRO
Toda essa inquietação e euforia no meio
evangélico é fruto de uma estória em que o personagem principal perde sua filha
mais nova em um seqüestro e assassinato por um assassino de meninas. Esse fato
horrível abre nele um espaço para o que chama de “Grande Tristeza” e um
relacionamento frágil com Deus, a quem culpa por não evitar a tragédia. Isso
perdura até que o próprio Deus o convida a voltar à cena do crime, uma velha
cabana nas montanhas, e se apresenta a ele como uma cozinheira negra (Deus, o
Pai), um carpinteiro israelita (Jesus) e uma mulher oriental (o Espírito
Santo). Depois desse inusitado encontro, o que era uma narrativa envolvente se
torna uma exposição das impressões e convicções do autor[6] sobre as pessoas
divinas dentro da Trindade, sobre o relacionamento entre eles e em relação aos
homens, a condição humana, a salvação, a igreja, as Escrituras e a situação de
Deus diante do mal.
Uma das primeiras coisas que notei ao chegar
ao capítulo 5 do livro, onde realmente a visão do autor sobre Deus começa a ser
exposta, é o desejo de quebrar paradigmas. O autor parece desconfortável com a
visão sobre Deus e sua personalidade. Quando Young relata o espanto de Mack, um
cristão criado dentro da igreja desde pequeno, com seu encontro com duas
pessoas da Trindade em forma de mulheres, não acredito que o autor tenha tais
concepções, mas creio que seu desejo é que os leitores achem antiquada a
postura de acolher conceitos tradicionais. O Pai, no livro, explica: “Para mim,
aparecer como mulher e sugerir que você me chame de Papai é simplesmente para
ajudá-lo a não sucumbir tão facilmente aos seus condicionamentos
religiosos.”[7] Parece que o autor considera as visões tradicionais sobre Deus
como “estereótipos” que não devem ser encorajados[8] e como “idéias
preconcebidas” nas quais Deus não se encaixa.[9] Em pouco tempo, Mack se dá
conta de que “nada do que estudara na escola dominical da igreja estava
ajudando”[10] a compreender o Deus que estava diante dele. Parece ser sugerido
que o leitor deve ficar aberto a novos conceitos. O conselho do Espírito Santo
a Mack é: “Verifique suas percepções e além disso verifique a verdade de seus
paradigmas, dos seus padrões, daquilo em que você acredita. Só porque você
acredita numa coisa não significa que ela seja verdadeira. Disponha-se a
reexaminar aquilo em que você acredita.”[11] Assim, novos conceitos são
inseridos.
ESCRITURAS
Um desses conceitos é uma visão depreciativa
sobre o ensino bíblico. Por diversas vezes as Escrituras, ou o ensino
eclesiástico das Escrituras, é citado em contraposição a uma nova verdade
apresentada pelas pessoas da Trindade. Exemplo disso é que Mack, apesar de ser
um cristão que sempre vai aos cultos e recebe instrução bíblica, se dá conta de
que não conhece Jesus como achava que conhecia. Diante disso, Jesus lhe
transmite um conhecimento que nunca antes lhe foi ensinado: “Deus que é base de
todo ser, mora dentro, através e em volta de todas as coisas, e emerge em
última instância como o real. Qualquer aparência que mascare essa verdade está
destinada a cair.”[12] A Bíblia, que certamente não apresenta essa versão
“panteísta” ou “panenteísta” da Divindade, fatalmente se torna alvo dessa
afirmação. Na verdade, ela sofre a sugestão de ser um instrumento que não
contém a verdade, mas que é usado por Deus devido à complexidade da situação
humana depois de se afastar dele. O Pai, ao responder por que se “revela” de
modo paterno, diz: “Assim que a Criação se degradou, nós soubemos que a
verdadeira paternidade faria muito mais falta que a maternidade.”[13] Assim,
Mack percebe que ao sair da escola dominical, onde as Escrituras são ensinadas,
freqüentemente tinha “as respostas certas”, mas que isso não fazia que ele
conhecesse a Deus.[14] Fica sugerida a idéia de que a Bíblia contém inverdades
devido às limitações e carências do homem. Entretanto, há verdades além dela
que o homem que se relaciona com Deus pode alcançar. Por isso, no momento em
que Deus fala a Mack sobre verdades nunca antes por ele imaginadas, explica em
tom depreciativo: “Aqui não é a escola dominical. É uma aula de vôo.”[15]
IGREJA
A igreja é mais uma vítima da obra de Young.
Sob a égide da religião ela é acusada de manipular os fiéis por causa da cobiça
e desejo de poder dos seus líderes. Como instituição ela é fonte de
contrariedades para Jesus, que afirma: “Eu não crio instituições. Nunca criei,
nunca criarei.”[16] Para que não fique dúvidas sobre o sentido dessas palavras,
Jesus completa em meio a uma expressão sombria: “Não gosto muito de religiões e
também não gosto de política nem de economia... E por que deveria gostar? É a trindade
de terrores criada pelo ser humano que assola a Terra e engana aqueles de quem
eu gosto.”[17] Ao vislumbrar com assombro tudo o que aprendeu no passado, Mack
exclama: “Quantas mentiras me contaram!”[18] Jesus completa a decepção de Mack
respondendo uma pergunta sobre o significado de ser cristão com as palavras:
“Quem disse alguma coisa sobre ser cristão? Eu não sou cristão.”[19] Um dos
motivos do desprezo de Deus pela estrutura eclesiástica seria a presença nela
de uma hierarquia, ou uma “cadeia de comando”, o que, mesmo na divindade,
parece ser um conceito “medonho” e um relacionamento “opressivo.”[20] Jesus
explica que a autoridade “é meramente a desculpa que o forte usa para fazer com
que os outros se sujeitem ao que ele quer.”[21]
E completa dizendo: “É um sistema humano. Não foi isso que eu vim
construir... Por mais bem-intencionada que seja, você sabe que a máquina
religiosa é capaz de engolir as pessoas!”[22]
SALVAÇÃO UNIVERSAL
Salvação universal, ou universalismo, é outra
idéia apresentada por Young. Significa que todos, sem exceção, serão salvos por
Cristo. Diferente de outros pontos, este se mostra clara e abertamente no livro
e começa a se delinear quando Mack se surpreende ao ver o grande amor do Pai
pelas pessoas. Diante disso ele pergunta se há alguém de quem o Pai não goste.
A resposta é: “Não, não consigo encontrar ninguém. Acho que sou assim.”[23]
Isso sugere, que Deus se relaciona bem com todos os seres humanos independente
de qualquer condição. Entretanto, o que é, a princípio, apenas uma sugestão, se
expande quando Jesus é questionado se todas as estradas levam a ele. Jesus
responde que, no processo de tornar as pessoas filhos e filhas do Pai, “a
maioria das estradas não leva a lugar nenhum. O que isso significa é que eu
viajarei por qualquer estrada para encontrar vocês.”[24] Assim, em meio a um
certo sarcasmo, explica: “Os que me amam estão em todos os sistemas que
existem. São budistas ou mórmons, batistas ou muçulmanos, democratas,
republicanos e muitos que não votam nem fazem parte de qualquer instituição
religiosa.”[25] Apesar da clareza com que o universalismo é exposto aqui, o
autor parece não ficar satisfeito e deseja garantir que atingiu seu objetivo.
Assim, o Pai diz a Mack que “a morte dele [Jesus] e sua ressurreição foram a
razão pela qual eu agora estou reconciliado com o mundo.” Mack pergunta: “Com o
mundo inteiro? Quer dizer, com os que acreditam em você, não é?” O Pai
responde: “Com o mundo inteiro.”[26] Dito isso, explica que cabe ao homem
apenas escolher se quer ou não se relacionar com Deus: “Em Jesus eu perdoei
todos os humanos por seus pecados contra mim, mas só alguns escolheram se
relacionar comigo.”[27]
Em lugar de salvação, o livro “A Cabana” dá
ênfase ao relacionamento com Deus. Estando todos os homens salvos, o que resta
é terem união com a Divindade. O Pai deixa isso claro dizendo: “A liberdade é
um processo que acontece dentro de um relacionamento com ele [Jesus].”[28]
Segundo Young, esse relacionamento pode ter muitas vias, mas a melhor delas é
Jesus, que diz: “Eu sou o melhor modo que qualquer humano pode ter de se
relacionar com Papai [o Pai] ou com Sarayu [Espírito Santo].”[29] Questionado
sobre como um homem pode fazer parte da Igreja de Deus, Jesus responde: “É
simples, Mack. Tudo só tem a ver com relacionamentos e com o fato de
compartilhar a vida.”[30] O relacionamento que o autor apresenta é muito
convidativo. Deus é alguém agradável, bem-humorado e de fácil convivência.
Entretanto, o relacionamento apresentado segue um modelo onde não há diferença entre
os participantes. Deus é um grande amigo, mas não é Senhor. Deus é irmão, mas
não é Rei. Deus é amoroso, mas não é soberano. O Pai explica: “Criamos vocês,
os humanos, para estarem num relacionamento de igual para igual conosco e para
se juntarem ao nosso círculo de amor.”[31] Deste modo, a falta de fé não é o
que impede a união do homem com Deus, mas a falta do conhecimento que
possibilite o relacionamento. Sob essa ótica, o Pai aponta o “verdadeiro”
problema: “A verdadeira falha implícita na sua vida... é que você não acha que
eu sou bom. Se soubesse que eu sou bom e que tudo... é coberto por minha
bondade... confiaria em mim... A confiança é fruto de um relacionamento em que
você sabe que é amado. Como você não sabe que eu o amo, não pode confiar em
mim.”[32] “Não sou um valentão nem uma divindade egocêntrica e exigente que
insiste que as coisas sejam feitas do jeito que eu quero.”[33] Essas frases
realmente enchem os corações daqueles que desejam um relacionamento sem
compromissos com o Senhor. É o anseio de quem deseja os benefícios da amizade
de Deus sem ter que se amoldar ao seu caráter ou à sua vontade para tanto. Não
há submissão do homem a Deus. Jesus diz: “Submissão não tem nada a ver com
autoridade e não é obediência. Tem a ver com relacionamentos de amor e
respeito. Na verdade somos igualmente submetidos a você.”[34]
CONDUTA E CONDENAÇÃO
Duas idéias desprezadas por Young são a
existência de um padrão de conduta para os que se relacionam com Deus e a
condenação daqueles que não seguem o caminho estipulado pelo Senhor. Para
transmitir essa opinião, a narrativa expõe o Pai dançando e se remexendo ao som
da música de uma banda de nome Diatribe, cujo significado é de um discurso
crítico e agressivo vindas de uma postura rebelde. Mack, surpreso, diz que isso
não parece muito religioso. O Pai, ainda bamboleando e batendo palmas,
responde: “Ah, acredite: não é. É mais tipo funk e blues eurasiano, com uma
mensagem fantástica.” Sobre a tal mensagem fantástica, explica: “Esses garotos
não estão dizendo nada que eu já não tenha ouvido antes. Simplesmente são
cheios de vinagre e gás. Muita raiva e, devo dizer, com um bocado de razão. São
apenas alguns dos meus meninos se mostrando e fazendo beicinho.”[35] A
aceitação divina para a postura rebelde e raivosa de tais rapazes nos remete
aos conceitos da pós-modernidade sobre a validade e veracidade de todas as
idéias, gostos e posturas. Não há absolutos. Nesse caso, parece que para Deus
também não. Ele é capaz de se “entrosar” com qualquer tipo de atitude. Isso
fica expresso quando Jesus reprova os julgamentos éticos e morais,
qualificando-os uma como tentativa humana de firmar sua independência de Deus.
Ele diz: “Ao optar por definir o que é bom e o que é mau, vocês buscam
determinar seu próprio destino. Foi essa reviravolta que causou tanta dor.”[36]
“Você deve desistir de seu direito de decidir o que é bom e ruim e escolher
viver apenas em mim.”[37] Assim, qualquer postura ou procedimento que o homem
decidir ter, Deus aceita. O erro não está em agir mal, mas em julgar as ações.
A sabedoria de Deus, personificada em uma mulher de nome Sophia,[38] diz:
“Julgar exige que você se considere superior a quem você julga.”[39] Deus não
nutre expectativas a respeito do homem. Por conhecer o futuro, Deus não tem
necessidade de ter expectativas. Diz o Pai: “Por que teria uma expectativa
diferente daquilo que eu já sei. Seria idiotice. E, além disso, como não a
tenho, vocês nunca me desapontam.”[40] A conseqüência disso é a sensação no
homem de “um grande alívio, porque elimina qualquer exigência de
comportamento,”[41] explica Jesus.
Por não haver qualquer tipo de exigência de
Deus sobre a humanidade, também não há qualquer tipo de reprovação ou
condenação. Não há o que condenar. As conseqüências dos erros dos homens não
transcendem essa vida, nem afetam mais que suas próprias experiências. O Pai
explica: “Não preciso castigar as pessoas pelos pecados. O pecado é o próprio
castigo, pois devora as pessoas por dentro.”[42] O juízo de Deus nada tem a ver
com punição, pois “julgar não é destruir, mas consertar as coisas.”[43] Esse
conserto, como já vimos, não tem relação com perdão e justificação, mas com a
produção de um bom relacionamento. O autor sugere que Deus vê a condenação como
uma expressão de injustiça. O próprio Pai, ao falar de si, diz: “Não uso
humilhação, nem culpa, nem condenação. Elas não produzem uma fagulha de
plenitude ou de justiça e por isso foram pregadas em Jesus na cruz.”[44]
ENCARNAÇÃO E MORTE DA TRINDADE
Desconsiderando as Escrituras, além da
história e da teologia dos primeiros séculos da igreja cristã e dos seus
primeiros concílios, Young afeta a ortodoxia em relação à Divindade em alguns
pontos que dão margem a grandes distorções. Em vista de Adão ter desvirtuado o
relacionamento com Deus, as três pessoas da Trindade se puseram no processo de
reverter tais danos. O Pai conta a Mack: “Em vez de varrer toda a Criação,
arregaçamos as mangas e entramos no meio da bagunça. Foi o que fizemos em
Jesus... Quando nós três penetramos na existência humana sob a forma do Filho
de Deus, nos tornamos totalmente humanos. Também optamos por abraçar as
limitações que isso implicava. Mesmo que tenhamos estado sempre presentes nesse
universo criado, então nos tornamos carne e sangue.”[45] Com isso, o autor
afirma que a encarnação envolveu não só o Filho, mas o Pai, o Filho e o
Espírito Santo, os três encarnados no homem Jesus Cristo. No livro, não apenas
Jesus apresenta as marcas da crucificação, mas as compartilha com o Pai. Mack,
ao olhar para o Pai em sua aparição feminina, “notou as cicatrizes nos pulsos
na negra, como as que agora presumia que Jesus também tinha nos dele. Ela
permitiu que ele tocasse com ternura as cicatrizes, marcas de furos fundos.” Ao
olhar para as marcas da cruz de Cristo, o Pai disse a Mack: “Nós estávamos lá,
juntos.”[46] Mais adiante Sophia alerta Mack: “Você não viu os ferimentos em
Papai [o Pai] também?... Ele escolheu o caminho da cruz, onde a misericórdia
triunfa sobre a justiça por causa do amor.”[47] Essa perigosa afirmação, que
contrapõe a misericórdia à justiça como se fossem inconciliáveis, também
ressuscita uma antiga heresia de nome “patripassianismo” que propõe que o Pai
sofreu a morte na cruz. A diferença entre essa modelo de patripassianismo e o
antigo está no fato de o antigo propor a existência de uma só pessoa divina que
se mostra de modos diferentes, enquanto o modelo do livro propõe a encarnação
do Pai junto com o Filho no homem Jesus Cristo.
TEODICÉIA E TEÍSMO ABERTO
Teodicéia é o campo da Teologia que lida com
a existência de um Deus bom diante da realidade do mal, de modo a defender a
“justiça de Deus”. Young se propõe a isso. Para ele, Deus não é culpado por
nenhum mal. Apesar de acertar nessa tese, o erro de Young está em justificar
Deus tirando-o da jurisdição onde o mal se apresenta. Quando Mack questiona o
motivo pelo qual sua filha teve que morrer, ouve a seguinte explicação: “Ela
não teve, Mackenzie. Isso não foi nenhum plano de Papai [o Pai]. Papai nunca
precisou do mal para realizar seus propósitos. Foram vocês, humanos, que
abraçaram o mal, e Papai respondeu com bondade.”[48] Apesar de ser verdade que
o mal é uma ação de responsabilidade do homem pecador, o motivo apresentado por
Young para defender a justiça de Deus diante da maldade do mundo é sua “falta
de soberania”. Ao dizer que Deus não planejou a morte da menina, a inferência é
que “Deus não esta no controle”. Coisas acontecem sem Deus ter planejado ou
controlado, ao passo que eventos planejados por ele esbarram nos desejos e atos
pecaminosos de homens que frustram os planos divinos. Deste modo, Deus não é
responsável pelo mal, mas também não é soberano sobre a criação. Por isso, o
Pai diz a Mack: “Eu crio um bem incrível a partir de tragédias indescritíveis,
mas isso não significa que as orquestre. Nunca pense que o fato de eu usar algo
para um bem maior significa que eu o provoquei ou que preciso dele para
realizar meus propósitos.”[49]
A justificação de Deus por meio da usurpação
da sua soberania, além de errada, leva a um problema ainda maior: o Teísmo
Aberto. Este nada mais é que uma forma de Teodicéia levada até as últimas
conseqüências. Ensina que se Deus limita no uso de atributos como
onipotência[50] e onisciência[51] a fim de resguardar a liberdade humana. Por
isso, o Pai diz a Mack: “Nós nos limitamos por respeito a você... Os
relacionamentos não têm nada a ver com poder. Nunca! E um modo de evitar a
vontade de exercer poder é escolher se limitar e servir.”[52] “Nós respeitamos
cuidadosamente as suas escolhas e por isso trabalhamos dentro dos seus sistemas,
ao mesmo tempo que procuramos libertá-los deles. A Criação foi levada por um
caminho muito diferente daquele que desejávamos.”[53] Jesus concorda com o Pai
e diz: “Já notou que, mesmo que me chamem de Senhor e Rei, eu realmente nunca
agi desse modo com vocês? Nunca assumi o controle de suas escolhas nem os
obriguei a fazer nada, mesmo quando o que estavam fazendo era destrutivo para
vocês mesmos e para os outros?... Forçar minha vontade sobre vocês é exatamente
o que o amor não faz.”[54] Sob esse olhar o Pai une a Teodicéia ao Teísmo
Aberto e defende sua justiça e amor diante do mal baseado na sua autolimitação
e no respeito à liberdade do homem, explicando: “Todo o mal decorre da
independência e a independência foi a escolha que vocês fizeram. Se fosse simples
anular todas as escolhas de independência, o mundo que você conhece deixaria de
existir e o amor não teria significado. O mundo não é um playground onde eu
mantenho todos os meus filhos livres do mal. O mal é o caos, mas não tem a
palavra final. Agora ele toca todos que eu amo, os que me seguem e os que não
me seguem. Se eu eliminar as conseqüências das escolhas das pessoas, destruo a
possibilidade do amor. O amor forçado não é amor. ”[55]
O QUE AS ESCRITURAS ENSINAM?
Em contraposição às convicções de Young
expostas no livro “A Cabana”, as Escrituras afirmam que:
a)
As Escrituras foram inspiradas por Deus (2Tm 3.16), foram dadas pela
vontade de Deus através do Espírito Santo (2Pe 1.20,21), não contêm erros (Jo
10.35) e apresentam Cristo a fim de salvar o perdido (Jo 20.30,31; Rm 1.16;
10.17; 1Co 1.21), de modo que desconhecer ou desprezar as Escrituras constitui
um erro (Mt 22.29).
b)
Jesus é o fundador da Igreja (Mt 16.18; At 20.28). Ela tem a função de
defender e proclamar a verdade (1Tm 3.15; 1Pe 2.9) e promover a glória de Deus
(Ef 3.21). Jesus, o dono de toda autoridade (Mt 28.18), concedeu aos discípulos
a autoridade de pregar a verdade e expandir a Igreja em obediência ao Senhor
(Mt 28.19,20). Visto que a autoridade não é má e que é instituída por Deus (Rm
13.1,2), a Igreja também foi formada por ele com autoridades para que houvesse
edificação, correção e ensino (2Co 10.8; 13.10; Tt 2.15), assim como o lar (1Tm
2.12; 3.4-5).
c)
A salvação e a reconciliação com Deus se dão única e tão somente pela fé
em Cristo (Jo 3.36; 6.47; Rm 5.1; 8.1; Ef 1.7). Não há outros meios de ter
comunhão com Deus (Jo 14.6; At 4.12; 1Tm 2.5) e não há meios de crer em Cristo
a não ser por meio da pregação do Evangelho (Rm 10.13-15). Quem não crê em
Cristo como salvador permanece perdido e sobre ele permanece o juízo de Deus
(Jo 3.18,36). O resultado de não crer em Cristo é ser julgado por Deus e
condenado ao afastamento e sofrimento eternos (Dn 12.2; Mt 7.23; 8.12; Hb
9.27).
d)
Há um padrão de conduta que deve ser seguido por aqueles que querem ter
comunhão com Deus (1Pe 1.16). A busca por esse padrão é tanto o objetivo e o
dever dos salvos (Jo 8.11; Rm 12.1-2; Gl 5.22-15; Fp 2.12; 1Jo 2.1), quanto a
prova do seu amor por Cristo (Jo 14.21; 1Jo 4.21). Deus disciplina seus filhos
que se desviam da busca da santidade a fim de voltarem a servi-lo (1Co 11.32;
Hb 12.4-10).
e)
Cristo, ele apenas, encarnou para efetuar a obra da salvação recebendo
nele o castigo pelo pecado dos que crêem (Jo 1.14; Fp 2.5-9; 1Tm 2.5). As
outras pessoas da Trindade interagiram na obra da salvação “não encarnados” na
pessoa do homem Jesus (Mt 1.20; 3.16,17; 16.17; 23.9; Mc 15.34; Jo 14.26;
16.7).
f)
Deus é plenamente soberano sobre toda a história e sobre toda a criação
(Sl 103.19; Dn 4.17,35; Mt 10.29). Sua vontade é sempre efetivada pelos seus
atos (Jó 42.2; Is 14.24,27; Ef 1.11). A soberania divina se faz sentir sobre a
humanidade (Pv 21.1; At 4.27,28; Rm 9.15-18) e a vontade do Senhor não é
limitada pela vontade humana (Sl 33.10). Os decretos do Senhor são retos e não
há qualquer injustiça em Deus, na sua vontade e na aplicação do seu poder (Jó
40.1-4; Rm 9.14,19-24).
CONCLUSÃO
Essa breve análise demonstra o quanto William
Paul Young, em sua obra “A Cabana”, está distante de ser um pregador da verdade
ou um instrumento de propagação do conhecimento sobre Deus e sobre o
relacionamento com ele. O fato de “A Cabana” encontrar acolhida dentro das
igrejas cristãs revela duas tristes verdades: em primeiro lugar, a falta de
orientação bíblica adequada por parte dos pastores e professores das Escrituras
e, em segundo lugar, o pernicioso desejo de um relacionamento com Deus que não
envolva compromisso, autonegação, luta contra o pecado e busca de santidade.
Além disso, percebe-se claramente a
necessidade que os cristãos têm de avaliar os ensinos de pessoas famosas e
destacadas a fim de não serem alvos de erros baseados na confiança em tais
personalidades. O fato de Michael W. Smith, músico e autor de canções bonitas,
apesar de repetitivas e com uma teologia rasa, dar seu aval ao livro, impresso na
contracapa da edição em português, é de fato assustador. Entretanto, mais
assustador ainda é ler a declaração de um escritor proeminente como Eugene
Peterson, ao dar seu apoio a uma obra tão perigosa quanto estranha aos ensinos
bíblicos.[56]
Nossa oração ao Senhor é que o amor dos
cristãos pela Palavra de Deus e pela santidade prevaleça sobre o desejo de um
sistema que autorize e encoraje vidas sem submissão a Cristo. Também que
pastores e professores das Escrituras se afadiguem ainda mais na exposição da
verdade do Evangelho que rende a Deus todo louvor, que apresenta Cristo como
único meio de salvação e que ensina ao homem sua posição diante do Deus eterno
e Todo-Poderoso
Pr. Thomas Tronco